Capítulo 2
-Menina?!
Estava a meio do meu sono de beleza quando me acordaram. Ainda tinha a visão desfocada mas consegui perceber que já tinha chegado.
-Já chegámos? – perguntei para confirmar.
O rapaz sorriu-me e respondeu:
-Sim, acabámos de chegar.
Sentei-me e a minha visão ficou mais focada. Completamente focada. Vi o cais há minha frente e ao meu lado o rapaz a quem tinha entregado o bilhete quando entrei no barco. O seu rosto era pálido, mas não tanto como eu, e conseguia ver e ouvir a sua pulsação no pescoço. Tinha o cabelo preto como breu, curto e com a franja de lado. Os seus olhos eram cinza escuro e pareciam verdadeiros; observavam-me com alguma curiosidade. Os seus olhos reflectiram o meu aspecto: muito pálida, olhos azuis, lábios rosa, rosto angelical e cabelo louro quase branco a cair pelas costas.
-Obrigada por me acordares – agradeci – Tenho que ir.
Levantei-me e dirigi-me para a entrada do barco no meu passo seguro e dançante. Já estava quase a sair do cais quando alguém me chamou:
-Espera!
Parei e virei-me cautelosamente. Era o rapaz que me tinha acordado. “Mas o que é que ele queria?”, perguntei a mim mesma. “Que chato!”
Quando parou à minha frente estava ofegante e a veia do seu pescoço pulsava constantemente. Engoli o veneno que me começava a crescer na boca. Não o queria matar, não podia. Prometi a mim mesma que não comeria ninguém. Se queria entrar para a família da híbrida eu não podia comer pessoas, portanto, tinha começado a treinar. Tinha deixado de me alimentar do sangue dos humanos há 5 semanas e tinha começado a beber o sangue só dos animais selvagens como os ursos polares, e algumas focas. Não eram nada saborosos, mas pelo menos era sangue e não aquela comida horrorosa dos humanos. E não pagava nada, o que era uma mais-valia sendo que eu não tinha dinheiro, só jóias e demasiado valiosas para as trocar por uma refeição de réus.
O rapaz mexeu nos bolsos e tirou de lá um fio de ouro com um pingente vermelho; era o mesmo colar que eu tinha dado ao homem em troca do bilhete da travessia.
-Isto pertence-te – disse o rapaz embaraçado.
Pegou-me na mão e meteu lá o meu colar.
-Não sei onde o arranjaste e nem quero saber. Percebi que era uma jóia de família pela sua raridade. – parou para respirar profundamente e olhar-me nos olhos – Não sei quem és, mas não és uma ladra. O colar pertence-te, não àquele velho ganancioso que só quer fazer fortuna.
- O-obrigada – agradeci. Não sabia o que havia de dizer. Aquele foi o discurso mais emocionante que eu tinha ouvido em toda a minha vida.
Virei-me para me ir embora, mas ele agarrou-me o braço e fez-me parar. O meu braço estava a escaldar onde ele tinha tocado e conseguia sentir a pulsação dele na minha pele. Foi arrepiante. “Controla-te, Sophie” pensei para mim mesma. “Ele não é comida, é humano”
-Não sei o teu nome – disse.
Virei-me para o encarar e respondi-lhe:
- Sophie.
Largou-me o braço e encarou-me com profundidade. Juro que naquele momento ele conseguia ver a minha alma e eu a sua. Desviei o olhar para olhar para trás.
-O que quer que aconteça, Sophie – disse – nunca me vou esquecer de ti.
-Leonardo! – chamou uma voz atrás dele – Deixa-te de lamechices e ajuda-me a limpar o barco!
Virei-me e comecei a correr (há velocidade humana). Consegui cheirar que vinha aí uma grande tempestade, o ar estava carregado. Talvez nevasse. Corri em direcção há floresta, não era muito longe, talvez a uns 45 quilómetros de distância. Os candeeiros da rua acenderam-se e eu percebi que assim podia correr sem ninguém me ver. Acelerei. A adrenalina que me corria no corpo era muito forte, o que fez os meus músculos ganharem mais velocidade. Não sei quanto tempo corri, talvez 12 horas seguidas. Em breve chegaria ao Alasca e depois a Denali.
Parei um bocado numa clareira solarenga. Deixei a minha mochila no chão e deitei-me ao lado dela. Há quanto tempo não caçava? 1, 2 semanas? Estava a sentir-me esgotada. Pensei na viagem que tinha realizado da Rússia até ao Canadá. Tinham sido cerca de 2 dias. Depois pensei nos quatro dias que demorei para me preparar para aquilo. Arrumar a casa e dar algumas jóias. Procurei ainda pelo meu pai nas redondezas da minha casa, mas não o tinha encontrado. Tinha como que se evaporado. Não fazia a mínima ideia de onde ele estaria e de certeza que nem se preocupava comigo. Nunca se tinha preocupado. Mas era atento. Estava sempre receoso que algo me acontecesse. Claro; tinha medo que os Volturi fossem lá e lhe tirassem a eternidade. Era isso que ele merecia. Antes da minha mãe já tinha feito juras de amor a milhões de mulheres como a minha mãe, mas acabava sempre por as matar. Mas com ela tinha sido diferente. Tinha-a engravidado, depois abandonou-a, deixando-me a mim e há minha mãe sozinhas. Passado um tempo voltou para saber como é que ela estava, mas só me encontrou a mim. A partir daí ensinou-me a caçar e a fazer coisas normais de um vampiro. Ensinou-me a ser gentil com os humanos e depois apunhalá-los nas costas, ou melhor dizendo, depois sugar-lhes o sangue. Ouvi a história daqueles que tinham enfrentado os Volturi: um número enorme de vampiros que se juntaram para fazer a família real parar e ouvir. Também haviam mais alguns iguais a mim. Como o Nahuel ou lá o que ele se chama e as suas irmãs. Mas eu estava curiosa em relação há outra rapariga; já para não falar que tínhamos praticamente a mesma idade. Era fabuloso.
Ouvi um ruído atrás de mim e um coração a bater. Deixei os meus instintos atacarem o meu corpo. Silenciosamente corri até ao alce que estava atrás das árvores a comer. Mordi o seu pescoço e suguei todo o sangue que ele tinha. Raio do alce não tinha nem tentado lutar!
Voltei para a clareira deixando a carcaça morta atrás de mim. Abri os fechos da minha mochila e tirei de lá um espelho (mais uma coisa que tinha trazido comigo). Olhei-me para admirar a minha beleza; tinha os olhos azuis claros como a cor do céu quando o sol está no seu pique, pestanas longas e sobrancelhas loiras da cor do meu cabelo. Os meus lábios eram perfeitos: completamente simétricos e rosados. As minhas bochechas mostravam-se um bocado rosadas por ter estado a correr mas nada que se notasse demasiado. O meu cabelo. A minha parte favorita - o meu cabelo; loiro quase branco, liso, longo e forte. Ia praticamente quase até há minha cintura. Naquela altura estava um bocado despenteado. Busquei a minha escova de cabelo feita de prata. Quando o sol a tocou a escova brilhou. Adorava vê-la assim; era perfeita, tal como eu. Penteei cada madeixa do meu cabelo desembaraçando cada um dos nós. Tirei o colar que o Leonardo me tinha dado do bolso e meti-o na caixa de jóias que estava dentro da mochila. Tirei desta uma telha de baunilha (a única coisa que conseguia aturar para além do chocolate e que fosse humano) e comi. Quando acabei de comer meti tudo para dentro da mochila e fiz dela uma almofada para dormir. Dali a poucas horas voltaria a correr e, esperava eu, já estar ao pé da híbrida e da sua família.