Capítulo 14 (Penúltimo capítulo)
Era agora. Estava frente a frente a um dos pilares de luz. Os humanos davam-lhe o nome de Stonehenge. Fora criado há vastos por anjos que haviam cometido inúmeros pecados que antes de caírem no inferno, fizeram a réstia dos seus poderes caminhar sobre a terra, sob a forma mais abstracta e inimaginável. Estava decidida. Eu ia entrar dentro dele, apesar de saber as consequências daquilo que decidira. Agora sabia qual o propósito de ter recebido aquele fardo.
Tinha de viver novamente aquilo por que passara. Tinha que sacrificar toda a sua entidade, quer humana quer espiritual. A barreira situada entre o mundo dos vivos e o outro mundo estava a ponto de ruir e eu, pelos vistos, era a única que o podia impedir. Mas serviria para salvar as pessoas que são importantes para mim. Se eles continuassem bem, eu sentir-me-ia feliz. Este sacrifício era necessário. Tinha que o fazer o mais depressa possível, pois o tempo escasseava. Apesar do meu receio, era o que tinha de ser feito.
Estava cada vez mais perto de uma das entradas do pilar de luz. Ao vê-lo assim à frente dos meus olhos, um certo medo remexeu-se dentro de mim e comecei a questionar-me se era mesmo necessário. Claro que era. Mas saber que ao fazer aquilo estaria a dar um final inesperado à vida que nunca merecera, dava-me uma espécie de conforto. Mas no entanto, comecei a pensar neles. Nas pessoas que havia conhecido ao longo de todo o tempo que investira em terra. A senhora Howell, que tinha uma simpatia como nenhuma outra demonstrada para comigo. Mas sobretudo, pensei em Paul.
Seria correcto deixá-lo assim, sem ter nada para dizer? Sem lhe ter dito aquilo que realmente sentia…o que me causava um enorme aperto no coração. Ainda estava muita coisa por dizer um ao outro, mas agora já não podia voltar atrás. Enquanto dava o primeiro passo para o interior, ouvi alguém a gritar. Não por uma pessoa qualquer, mas a gritar o meu nome. E aquela voz não me era desconhecida. Dela podia sentir a preocupação e o sentimento. Era ele. Mas como é que sabia exactamente para onde viria eu?
De certo que fora Alphonse que lhe contara sobre a localização do pilar. Os meus pés finalmente se chegaram à terra do interior. Uma espécie de barreira invisível aparecera à volta das entradas, impedindo qualquer pessoa de se aproximar. Pressenti que estava na hora. Então abri as minhas asas, deixando-as sentir o último sopro do vento. Soltei um suspiro, sabendo que o fim estaria relativamente à minha frente. Pisei por fim o centro do interior, deixando a harmonia daquele lugar entrar no meu subconsciente.
Feixes de luz começaram a sobressair-se nas rochas, fazendo-as parecer pedras preciosas mas com ainda mais brilho. À vista de qualquer um podia ser maravilhosamente belo, mas no entanto aquele feito tinha outro sentido. Olhei para o céu que mudara repentinamente para um pôr-do-sol em tons variantes de vermelho, laranja e amarelo. Tudo se resumira a um simples gesto. A um acto que só agora podia ser eu a fazer. Até que senti algo que me travara por completo as minhas acções. Olhei para trás e via-o a com um olhar entristecido e de certo modo desesperado.
- Não o faças, Cassie. – Pediu ele, enquanto focava toda a sua atenção e os seus olhos em mim. – Por favor.
Apesar da razão me dizer para não avançar na sua direcção e me dizer para cumprir aquilo para que vim a terra, o meu coração ditava outra coisa. Gostava dele. Atrás de Paul, estavam Rachel e Alphonse. Os dois permaneciam lado a lado, lançando-me olhares que pareciam reprimir qualquer tristeza que o momento estaria a causar.
- Tenho que o fazer, Paul. – Respondi, ao mesmo tempo que as minhas mãos acenavam como um entristecido adeus. – Desculpa.
Voltei-me de novo para o centro e esperei que algo acontecesse. Raios de luz surgiram das rochas à minha volta, cobrindo-me com um manto luminoso resplandecente. Minúsculas esferas de luz começaram a irromper do chão. Pouco tempo depois, apercebi-me que era eu. Estava a desaparecer, mas seria por um bem maior. O meu sacrifício ajudaria a manter segura aquela terra e isso chegava-me. As pessoas que conheci podiam seguir com a sua vida tranquilamente.
Já não sentia nada. Parecia que todos os meus sentidos me haviam sido privados. A barreira desaparecera lentamente, deixando o interior sem protecção alguma. Deixei de ter qualquer vitalidade ou controlo sobre o meu corpo, estendendo-me sobre aquilo que parecia ser um monte de relvado desfocado. Apesar disso, vi Paul a correr na minha direcção pegando naquilo que restava de mim. Foi então que vi lágrimas a dispersar pela sua face. Ele estava a sofrer. A sofrer tanto quanto eu por deixá-lo.
- Gosto muito de ti. – Disse-lhe numa espécie de murmúrio silencioso causado pela ausência dos sentidos.
A sua mão fez-se deslizar pela minha cara transparente, ao mesmo tempo que se inclinava aproximando-se dos meus lábios.
- Cassie, eu também. – Pelo menos, foi aquilo que consegui perceber pelos movimentos dos seus lábios. – Por favor, não desapareças.
Os meus olhos lentamente se foram encerrando, perdendo a vida e a eternidade que por mim eram carregadas. Acabei por desaparecer por completo, deixando aquela terra. Sabia que voltaria a cruzar-me com o pós-vida, mas agora tinha que esperar pelo que o destino me preparara uma vez mais para poder seguir finalmente em frente.
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