1º Capítulo
Para onde iria? Que caminho tomar? Apenas me deleitava com o som relaxante do oceano a ressoar indefinidamente nos meus ouvidos. Não me podia desleixar em nada. Ergui-me da areia e comecei a caminhar por entre aquele caminho que me era desconhecido. O vento sobrevoava a fina camada de água, empurrando e trazendo de novo cada onda. Preocupava-me o facto de não ter um sítio onde ficar. Cruzei os braços numa tentativa de trazer um pouco mais de calor para o meu corpo. A noite estava calma mas fria de rachar. Ainda não havia chegado o inverno, mas o tempo naquela zona parecera-me instável.
A cada passo que avançava, sentia-me distante. Distante de tudo e de todos. Talvez pelo facto de estar morta e, ao mesmo tempo, viva sob a forma de uma criatura amaldiçoada com algo que não merecia de todo. Contava com o facto de ter um simples repouso, mas tudo se virara contra mim. Eu não merecia nada daquilo. Perdi-me nos meus caminhos antigos e voltara a perder-me nos actuais. Nunca podia levar a cabo as minhas decisões, porque quase não as cumpria. Era o instinto que me perscrutava e me aconselhava em tudo o que fizera até hoje. Mas naquele momento, precisava de algo mais do que um conselho para poder encontrar um abrigo decente.
Continuei sem rumo definido por uma estrada que se encontrava ao pé da praia, o que me parecia um pouco estranho. Podia ter parado para pedir informações, mas quem me iria ajudar? Pressupus que ninguém se daria ao trabalho de o fazer. Apenas senti que devia tomar aquele caminho. Obedeci uma vez mais aos meus instintos e segui-os à risca. Não iria pôr em causa aquilo que a vida me ensinara e o quão cruel fora comigo ao regalar-me com algo que não desejava. Apenas recordava algumas palavras que me foram ditas por Alphonse, um anjo amigo, antes de descer a este mundo:
“Tem cuidado. Sobretudo, com essa cidade para onde vais. Pelo que sei, existem vampiros por lá. E nos lobisomens nem se falam. Toma cuidado restrito e mantém a cabeça quente em todas as situações adversas que te apareçam, Cassandra.” Pois é. Para ele, era muito fácil dizer. Não era ele o encarregado da missão, mas sim eu. Já agora, o meu nome é Cassandra. Mas todos, ou seja alguns, me tratam por Cassie. Não que isso importe para alguma coisa. Mas as condições eram outras, assim como os meus motivos. Desviei pensamentos que pareciam desnecessários naquele momento e centrei a minha visão na estrada.
Ao longe via uma casa. Tinha as luzes acesas, o que significava que estava habitada. Talvez alguém de lá me pudesse ajudar. Pedi ajuda às minhas asas que num instante saíram da sua invisibilidade prematura e me fizeram levantar voo. A cada batida delas contra o vento, acercava-me cada vez mais perto do lugar que tinha visto naquela estrada acidentada e frívola. Já estava suficientemente perto da casa. Descansei um pouco numa árvore ali ao pé, encostando-me a um dos seus ramos. Pelas janelas límpidas e completamente destapadas, podia-se ver tudo o que se passava do lado de fora. Havia apenas uma senhora de idade sentada num sofá, a ler um livro que parecia estar desgastado.
Precisava de ajuda. Era agora ou nunca. Desci calmamente da árvore até que os meus pés tocaram a terra molhada. Deve ter sido regada recentemente, pensei. Então me dirigi até à porta de entrada. Era toda revestida de um branco sublime assim como as paredes do lado de fora da casa, embora as telhas fossem de um castanho-escuro. A princípio estava com medo de que me recusassem o meu pedido, mas ainda assim tinha que tentar. Bati uma vez à porta e nada. Nada se ouvia. Até que vi a maçaneta da porta a abrir-se e a porta a deslizar lentamente até ficar aberta e ver a senhora que avistara do cimo da árvore.
- O que desejas, pequena? – Perguntou ela, com um sorriso nos lábios. Achei estranhas tão boas maneiras comigo, mas apenas sorri de volta. Deveria ser simpática perante semelhante gesto.
- Perdi-me numa praia e precisava de um lugar onde pudesse passar a noite. Será que podia passá-la em sua casa? – Perguntei ainda receosa do que pudesse advir como resposta. - Isto é, se não se importar é claro.
A senhora estendeu as mãos de bom grado e convidou-me a entrar. Agradeci devidamente e avancei passo ante passo para dentro, ouvindo a porta a fechar-se por detrás de mim. Tanta simpatia só por minha causa? O que terei feito para merecer tamanha generosidade da sua parte? Enquanto tentava decifrar aquelas perguntas repetidas na minha cabeça, a senhora mostrava-me uma toalha e uma camisola de pijama.
- Obrigada, gentil senhora. – Disse pegando na toalha e limpando os pés ensopados de água cálida e gelada.
- Por favor, jovem. O meu nome é Christine Howell. – Respondeu num riso descontrolado. – Não preciso de tanta formalidade, pequena.
Aquele momento de felicidade fazia-me recordar os velhos tempos em que a minha anterior vida me fazia feliz. Porém, com aquele acidente, deixara de a ter. Isso e a possibilidade de voltar a sentir-me viva. Mas aquela senhora irradiava alegria, apesar de tudo. Ainda por cima comigo, que era nada mais que uma mera desconhecida a meu ver. De seguida, dissera-me para me vestir e deixar a toalha e as roupas que envergava em cima de um cesto que estava junto à cozinha e que tinha um quarto vazio no andar de cima que podia utilizar. Enquanto ela se retirava para mais uma vez se fechar na sala, que mais parecia um minúsculo espaço, retirei a minha roupa e vesti a camisola oferecida pela senhora Howell. Dava-me até à zona dos joelhos, o que achei que até ficava bem. Fui até à cozinha e deixei a minha roupa dentro do cesto, retirando-me de seguida.
Subi as pequenas escadas de madeira firme até chegar ao andar de cima, vendo alguns quadros a decorar as paredes ásperas. Havia uma casa de banho mesmo ao pé da minúscula escadaria e dois quartos ao lado. Abri a porta do primeiro por que passei e vi um quarto perfeitamente arranjado. Desde janelas com cortinas de seda bege até a uma cama centrada com móveis à frente e de lado da mesma estrutura e textura. Devia ser o quarto da senhora Howell. Então fechei a porta cuidadosamente e avancei para o quarto ao lado. Este sim devia ser aquele que procurava. Entrei e comecei a observar todos os cantos e recantos daquele sítio.
A cama estava completamente encostada à parede. Havia uma pequena janela circular por onde se via o exterior de uma forma diferente das janelas normais. Havia uma mesa-de-cabeceira no extremo canto do quarto com um candeeiro já a desgastar-se, mas lá me consigo safar. Tinha que agradecer tudo o que aquela senhora estava a fazer por mim. Podia-se ver a luz a brilhar de uma forma raríssima e tal visão era uma beleza constante. Deitei-me naquela cama e deixei o meu corpo repousar, assim como as minhas asas que de momento permaneciam escondidas da realidade.
Tinha-as forçado demasiado e precisavam de descanso. Adormeci alguns segundos depois e convidei o sono para entrar no meu corpo. Assim o fizera e assim já repousava depois de uma noite que me parecera rara e cansativa, mas ao mesmo tempo, de generosa felicidade.