Capítulo 9, Parte 1
O que porém me aproximava da realidade, mais me distanciava daquilo que tinha afixado na minha mente. Não merecia ser aquilo que sou hoje. Mas parecera que eu não tinha nem nunca tivera voto na matéria, por isso, deixei-me levar naquele rumo desconhecido. Dirigi-me até à cozinha e vi a senhora Howell debruçada sobre o mesmo livro que vira há dias atrás, com uma chávena de chá a soprar o vapor quente para o ar. Sentei-me num banco a seu lado, puxando uma chávena colocada no meio da mesa com o conjunto.
O mesmo efeito do chá se fizera surtir como se o próprio líquido suspirasse em tons variados de ressonância. Ao tocar levemente com a minha mão por cima do braço de Christine, esta olhara-me com franqueza. Com um olhar reluzente que quase se confundia com a feliz ternura. Fechou o livro, dando por encerrada a sua leitura e virou-se para mim. Enquanto tudo se permanecia num silêncio murmuroso, levei a chávena aos lábios saboreando cada gota de chá. Mas ainda assim, pensava em como tudo se diferenciara tanto ou me desviara do meu verdadeiro caminho.
- Então, querida? – Perguntou a senhora Howell, passando a pequena colher sobre as bordas da chávena fazendo-a tilintar. – Estás preocupada com alguma coisa, é isso?
- Não. – Respondi, tentando lembrar-me de outra coisa que se interpusesse na conversa. – Apenas…vejo como esta área é raríssima. Tanta naturalidade que por aqui flui e a beleza por cá parece infinita. Traz-me recordações, de certa forma.
Um sorriso brotara dos seus lábios, enquanto a sua postura se endireitava na cadeira onde estava sentada. As suas mãos cobriam agora as minhas com facilidade, sentindo cada vez mais a ternura que já se havia envolvida pela simples visão.
- Este sítio é bastante calmo e sereno, o que traz uma óptima tranquilidade para quem vive por esta zona. – Disse Christine enquanto se levantava da cadeira, deixando a chávena a repousar em cima da cálida frescura que a mesa proporcionava. – Vai dar uma volta por aí. Deixa a natureza vir ter contigo e oferecer o que de bom tem, apesar de alguém já o ter feito.
Corei instantaneamente após Christine parar de falar. Será que ela se referia ao facto de Paul me ter levado a conhecer a zona? Mas como saberia ela que ele parecia mexer comigo? Acho que estou a ficar um pouco previsível. Mas aceitei o seu conselho, saindo de casa após dar uma pequena limpeza pela sala. Caminhei em direcção àquela floresta, a perguntar-me incansavelmente se aquele animal ainda estaria por lá. Relembrando as avantajosas palavras de Alphonse, sabia que tinha de manter aquele estreito cuidado com o sangue.
Observei para ambos os lados e não via nada. Já me adiantara bastante e quase não via a casa da senhora Howell. Então abri as minhas asas e levantei o meu corpo, levando-o a relembrar as brisas que há algum tempo desejava sentir. Deixei-me levar pelas correntes, deixando-me a meio caminho da floresta. A pouco e pouco, fui descendo de altitude pousando lentamente os meus pés sobre a relva. Decidi deixar as minhas asas visíveis, apenas por precaução. Virei os meus sentidos para o centro, por onde havia passado.
A cada passo que dava mais para a frente, mais receio tinha de que algo fosse acontecer e que não pudesse completar a missão. Enquanto avançava mais para aquilo que me parecia ser a clareira, as minhas mãos foram tocando todas as árvores que se encontravam pelo caminho sentindo a casa dura da madeira quase a rachar. Algo mais tinha acontecido, mas depois de ter estado aqui. Eram garras profundas que se afundavam cada vez mais para o interior dos troncos que mantinham a mesma imobilidade natural.
Quando finalmente chegara à clareira, algo se passara. E estranho era dizer pouco, visto que o animal já não jazia contra a árvore oca que segurava a sua cabeça, deixando-a encrespada de sangue devido à poça que ainda se fixava ali. Estava novamente a ser invadida pelo medo e pelas palavras de Alphonse, enfrentando em confusão na minha mente. Por momentos, ouvi algo a mover-se nos arbustos. Pensei que seria algum coelho ou assim, mas não o era. Olhei para a minha direita, donde podia ver algo que mais parecia demasiado irreal.
Quase não acreditava no que via, pois aquilo parecia saído de um sonho paranormal. Apesar de ter visto há dias a essência da morte, nada me assustara mais do que aquilo que estava a presenciar. Olhava para mim fixamente, sem nunca desviar aqueles olhos profundos. O meu coração corria desenfreadamente sem me chegar a dar a razão por que o fazia e suores frios cobriam-me a testa. Eu sabia que tinha fugir, mas o medo paralisara-me o corpo por completo.
Mas aquilo que eu via tanto tinha de assustador como de bonito: um lobo mas com o dobro do tamanho de um normal, com um tom de cinza escuro. Porém, tinha os olhos castanhos profundos dele. Da pessoa por quem nutria um sentimento. Mas seria impossível. O lobo foi-se aproximando cada vez mais de mim, até estarmos a uma distância pouco segura de um do outro. Agora estava mesmo petrificada e por mais estranho que pudesse parecer, os seus olhos não largavam a atenção dos meus deixando-me ainda sem palavras.
Sem comentários:
Enviar um comentário